“o governo e diversas multinacionais pagam os alienígenas cabeçudos para bombardearem em nossas mentes propagandas e publicidades subliminares””

Thursday, November 10, 2005

Porta-Treco

O porta-treco cai no chão. Todos direcionam sua atenção para ele. O som de um recém-nascido chorando propaga-se no fundo. Foi assim que eu nasci. Com todos olhando para o porta-treco.
Certa época, tive 5 anos, mas não tive nenhum amigo. No meu quarto o porta-treco guardava alguns brinquedos: o boneco sem capa do super-homem, peças perdidas de um quebra-cabeça, pinos e dados de um Banco Imobiliário inutilizado. O dinheiro de mentirinha eu escondia na cama, debaixo da colcha. Olhava para aquela fortuna e pensava “estou rico!”.
Aos 12 anos descobri a Playboy. Foi amor à primeira vista. Escondia minha única e preciosa no porta-treco. Engraçado, sempre o abria imaginando lembrar de alguma pista. Só não sei o quê.
No 16 o papel com suas imagens foi trocado por células. Garotas de verdade. Uma garota na verdade. Ela era linda. E fazia tudo que eu pedia. Do jeito que eu pedia. Guardava as camisinhas em um porta-treco velho que sempre esteve em meu quarto. De todas as cores e sabores possíveis. Nessa época tive muitos amigos. Um me apresentou o álcool. Outro o cigarro. Ela dizia que acido era bom, mas nunca tive saco pra tomar comprimidos.
Um dia, com 32 anos, recebi uma ligação incomum:
- Sua mãe faleceu.
Eu trabalhava vendendo carros. Tinha todos os amigos e mulheres que poderia comprar. Passei alguns minutos tentando entender aquelas 3 palavras.Sua. Mãe. Faleceu.Procurei no dicionário por algum sentido. Do outro lado estavam confusos perguntando por “Alô?” e “Você está bem?”.
- Morta?
- Isso. O velório será amanhã.
- Ok.
Com 32 anos, dois meses, 3 dias e 4 horas cheguei à velha casa após uma viagem noturna. Claro que lembrei de justificar minha falta no trabalho e cancelei um encontro com uma acompanhante de luxo. Também lembrei de tomar um longo banho gelado, fazer a barba e escovar bem os dentes. Lá estava eu na frente da velha casa. Meu pai me abraçou chorando, minha irmã, minha tia, minha avó.
- Do que ela morreu?
- Caiu da escada.
- Quero entrar.
- Seu quarto esta como você o havia deixado.
Meu lábios moveram grunhidos disfarçados de palavra. Só não sei o quê. Eu nunca sei de nada.
Subi a escada assassina a encarado cada degrau. Queria vencê-la, como uma vingança. Fique visualizando como deveria ter sido. Entre no corredor. A segunda porta a esquerda, semi-aberta. Ou semi-fechada. O porta-treco estava no móvel de sempre. Não encontrei minhas camisinhas. Lá estava o super-homem, as peças de quebra cabeças, os pinos e dados.
Pintos e dados de um Banco Imobiliário inutilizado.
Fui até a cama com agilidade, puxei o colchão com um único esforço. Caíram lagrimas.
- Estou rico.

(Samuel Góis Martins) 10/11/05

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