“o governo e diversas multinacionais pagam os alienígenas cabeçudos para bombardearem em nossas mentes propagandas e publicidades subliminares””

Saturday, December 30, 2006

macacos

Certa vez avistei macacos atacando um bebedor escolar.
Você vai dizer que estou mentindo. É a pura verdade. Não tenho testemunha alguma além de meus dois precários globos oculares. Certa vez matei aula um mês inteiro. Não chegava nem a entrar no colégio; uma amiga já me esperava sentada lá embaixo. Perguntava se tava afim de tomar sorvete.
E íamos tomar sorvete.
Um mês tomando sorvete toda manhã. E depois, o ano ia acabando.
Essa amiga nunca mais vi; tirando uma vez na rua, quando não fui reconhecido. E teve outra vez, que fui reconhecido, num ônibus. Perguntou como se falava determinada coisa em japonês. Eu respondi. O ônibus parou e ela se foi. Quando ela precisava de mim fui reconhecido. Nesse dia entendi como são as pessoas. Não condenei. Nesse dia também tinha ido ao cinema, era sexta-feira e gostava de ir ao cinema nas sextas-feiras. Não tinha ninguém na sala além de mim – e foi o dia que entendi que estava só. Nunca falei pra ninguém a respeito dos macacos.E logo naquela hora o que eu mais queria era falar sobre os malditos macacos.

Saturday, December 16, 2006

insônia

Aparecia pela manhã. Parecia sua mãe, reclamando que ele deveria voltar a dormir, se medicar e voltar a estudar. Ele era um adolescente acabado e inconformado com o rumo das coisas, e tudo que lhe restara era uma menina que só fazia reclamar. Ele não reclamava, pois adorava seu cafuné. Estava sem dormir há pelo menos duas semanas, e ficava cada vez mais difícil distinguir a realidade dos sonhos frustrados. A chata aparecia pelo menos duas vezes por semana e perguntava “dormiu hoje?”. Ele ficava escrevendo no computador, lendo alguma coisa, vendo televisão, comendo porcaria. E quanto às noites: sempre respondia comentando a respeito de um eterno jogo de xadrez que travava com um conhecido na internet. “Acho que ganho dessa vez”. A menina fazia um olhar preocupado, diferente de qualquer outro. Ele tinha vontade de ficar sem dormir todas as noites, só pra sentir a ternura daquele olhar. “Quando ganhar ou perder vai voltar a dormir pelo menos?”. “Tenho medo do que eu venha a perder se voltar a dormir”, respondeu por fim.

Saturday, December 09, 2006

podre por dentro

Passou o dia andando, pra lá e pra cá. Era o dia mais quente do ano, e seu rosto estava avermelhado, fritando. Os olhos estavam tristes, escondidos por baixo da cabeleira. Também devia cortar o cabelo, deixar umas cartas e pagar contas naquele dia. Funcionava como um robô, sem pensar demais, apenas processando e organizando o que tinha de ser feito naquele dia. Andando lentamente, para gastar o máximo de tempo que pudesse.
Cada vez mais o rosto dele fritava.
Suor inalava um fedor incomum, como se estivesse completamente podre por baixo da pele. Já passavam das seis horas, e para demorar um pouco mais pegou o ônibus que mais rodaria a cidade. Naquele dia não havia porteiro, e esquecera a chave de propósito. Ficou encostado, esperando até que alguém chegasse para abrir a porta. Passou uma pessoa, perguntou se ele ia entrar; respondeu que não. Decidiu que esperaria sua mãe.
A mãe perguntou se ele estava bem, lhe entregou algumas sacolas e subiram o elevador. Ele ficou calado; esperando a mãe reclamar que ele deveria tomar um banho. Ela reclamou e ele foi tomar um banho. Seu rosto ardia com a água caindo. Ardeu muito mais suas lágrimas salgadas: caiam discretas enquanto tentava dormir.
No outro dia acordou e viu seu rosto todo marcado e ardido onde desceram as lagrimas. Como uma maquiagem borrada na pele, revelando o que estava podre por trás. Aquela ardência o lembrou de sua tristeza por alguns dias.
Quando o rosto estivesse normal poderia fingir que estava tudo bem.

Wednesday, December 06, 2006

exsudato e polimorfonucleares

Renato espremeu o máximo que podia, entre os dedos escorregava devido ao suor e pus. Era tão perto da virilha que uma pessoa de longe iria achar quer ele estava tentando arrancar o próprio pênis. Sua careta não mentia: doía. Doía pra caralho.
Sangue misturado com pus pregavam os pentelhos entre si, manchavam a calça com um raro vermelho amarelado esverdeado.
Parecia que nunca ia acabar.
E não acabou. Renato desistiu, foi ao banheiro, lavou bem o cacete na torneira. A pia ficou cheia de sangue e pentelhos. Mamãe sempre falava que se deve limpar a pia depois de usá-la. Renato sempre foi teimoso, e deixou a nojeira do jeito que tava.
No dicionário pus é exatamente uma mistura de exsudato inflamatório, leucócitos polimorfonucleares vivos e mortos, e bactérias vivas e mortas. Renato fechou o dicionário enojado da própria raça. Com medo de voltar ao dicionário e descobrir que porra é exsudato e polimorfonucleares. A virilha doía com o furúnculo semi-espremido, impedido qualquer ato de cunho sexual confortável.
- Alô?
- Deixa pra próxima semana, Márcia.
- Ainda é aquele furúnculo?
- Cada vez fica maior, dói e sai pus. Já to achando que é esperma acumulado por falta de sexo mesmo.
- Não duvido. Já faz quase um mês, vai num medico. Vai que é algo grave. Você pode perder seu pau, sabia?
O medico ficou olhando por pelo menos uns dez minutos. Depois começou a apalpar.
- Dói aqui?
- Você não faz idéia...
- E aqui?
Renato só conseguia responder com uma careta, pretendo os dentes, fechando os olhos, criando inúmeras rugas na testa. O medico parou de apalpar, e começou a escrever uma receita em sua prancheta.
- É algum tipo de infecção. Mas tratável. Não se preocupe.
Um peso enorme caiu da consciência de Renato.
- Compre esse antiinflamatório, evite por a mão, limpe bem com sabonete neutro e em uma semana tudo voltará ao normal.
O alivio era tamanho que no caminho de volta caíram lágrimas. Nunca chorou por ninguém. O pau seria uma aceitável exceção. Poderia ver o significado de exsudato e polimorfonucleares sem medo.